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domingo, 1 de agosto de 2010

INJUSTIÇAS

O Carlos era um bom homem. Respeitador da lei e das obrigações sociais e conjugais. Mas a sua ingenuidade e credulidade eram muitas vezes motivo de chacota por parte de quem o conhecia bem...
Por isso interrogava-se, e da mesma forma o faziam os seus amigos, por que razão um dia a Fernanda, sua mulher, sem mais nem menos, o acusou de adultério exigindo-lhe o divórcio. A ele, que nunca conhecera sexualmente nenhuma outra mulher para além da Fernanda!

Estarrecido, e desta vez incrédulo, assistiu no tribunal ao modo como o Juiz permitiu, magnânimo, ao advogado da sua mulher interrogar, alegar, argumentar, ao mesmo tempo que, com ar intimidatório, lá do alto da sua cátedra, impedia o inexperiente e jovem advogado oficioso que tinha sido nomeado para o defender, de desempenhar o seu papel, interrompendo-o a cada palavra sua, desfazendo-lhe todas as tentativas de promover a sua defesa.

A Fernanda enunciou, perante o ar benevolente do Juiz, com inteira liberdade, uma por uma, as acusações de adultério que lhe fizera e quando ele procurou negá-las o Juiz mandou-o calar, dizendo-lhe que já estava suficientemente esclarecido...

O Juiz decretou o divórcio! E por efeito dele, a divisão dos bens do casal, como é de lei. Ainda por cima, todos esses bens tinham sido adquiridos com o seu exclusivo trabalho...
Felizmente não havia filhos, o que evitou a discussão sobre a quem caberia a sua guarda...
Passado algum tempo, o Carlos descobriu que o Juiz que o condenara era, desde há muito, amante da Fernanda e entendeu então a razão da sua rápida condenação sem provas, sem direito a defesa, a partilha dos bens...

Revoltado, congeminou a vingança e certa noite invadiu a casa do Juiz e matou-os aos dois enquanto dormiam. Entregou-se à polícia, confessou o duplo homicídio e voltou a ser julgado no mesmo Tribunal onde antes tinha sido injustiçado, dizendo para os seus botões: - Ao menos agora serei condenado com justiça!
O ingénuo Carlos enganou-se de novo. O Tribunal absolveu-o por considerar que o que ele fez foi para lavar a sua honra e para reparar a injustiça de que tinha sido vítima.

Vá-se lá entender a Justiça!

Rui Felício

26 comentários:

  1. São Rosas assustas-me...
    Tira a devida lição deste caso de justiça!!!
    Não caias na tentação!
    Cuida da tua Re PUTA São!

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  2. O Carlos foi duplamente injustiçado,pois o duplo homicídio por ele praticado para se vingar da primeira injustiça, terá sido um horror de consciência para toda a vida, apesar de perdoado pelo tribunal!

    Amores e desamores.
    Justiças e injustiças.
    Humanos e desumanos.

    Difícil de compreender...

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  3. A justiça é como o Vinho azedo, ninguém o suporta (quem gosta de vinho).
    Um Abraço.
    Tonito.

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  4. Rafaelito, lições de justiça? Se eu te contasse episódios que já se passaram comigo...
    No que diz respeito a justiça sou clara e assumidamente uma pessoa céptica. Logo eu, que sou e gosto de ser "anticéptica"...

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  5. Esse Carlos e essa tal de Fernanda eram danaditos...

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  6. Quanto a mim, o Juiz era o mais danadito dos três...

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  7. Não se valorizaria a justiça se não houvesse injustiça.
    Uma é o contraponto da outra.
    Sempre as houve, sempre as haverá, porque são fruto da falibilidade humana.
    O perigo é quando na Casa da Justiça, a injustiça a começa a sobrelevar.

    Ou dito de outra forma, parafraseando o Tonito Dias, o perigo é quando o vinho azeda...

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  8. Se a Justiçaq é cega
    E o Amor é cego
    Logo a Justiça é o Amor

    Como o Carlos ficou sem a Fernanda matou a Justiça e acabou com o Amor...

    Abílio

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  9. Safadão... o sr.dr. juíz!!!
    A Nandita também uma danadita...
    O Carlos, o cornudo e o ultimo a saber!
    Ainda bem que se safou...

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  10. FAÇA-SE JUSTIÇA !

    O Rui Felício não me vai levar a mal mas a verdade é que, neste caso, a única forma de se fazer justiça é alterar o curso dos acontecimentos…

    Então, foi assim…

    O Carlos, revoltado, congeminou a vingança e certa noite bateu à porta do Juiz.
    Toc, toc, toc…
    Foi a Fernanda quem lhe abriu a porta. A sua primeira reacção foi de medo ao ver o seu ex-marido pois sabia bem da grande patifaria que, em parceria com o Juiz, lhe tinha feito. Logo se tranquilizou, contudo, ao observar o ar prazenteiro e pacífico do Carlos. Mais tranquila ficou ao ver que o Carlos lhe trazia um bonito ramo das suas flores preferidas, daquelas que durante muito anos lhe tinha oferecido a propósito de tudo e de nada. Também ajudou à boa apreciação das intenções do Carlos o facto de transportar um saco com um laçarote vermelho vivo, a sua cor favorita. “ Um presente para mim”, pensou.
    - Entra, entra …, oh Zé, está aqui o Carlos.
    O juiz aproximou-se, surpreendido com a visita, carrancudo e desconfiado, lá condescendeu.
    - Entre, já que está aqui, entre.
    O Carlos, delicadamente, agradeceu mas declinou o convite. Explicou que só ali viera para os cumprimentar e deixar dois presentes. Um para Fernanda outro para o Juiz. E que nada mais desejava do que deixá-los em paz. Retirou-se.
    A Fernanda olhou, cheirou, admirou as flores e muito estranhou que nem uma palavra acompanhasse a oferta. O Carlos sempre fazia acompanhar as suas ofertas com uma mensagem de amor, de dedicação exclusiva. E, agora, nada…
    Ainda havia o outro presente.
    – Olha lá Zé, ele disse que isto era para ti.
    O Juiz, cada vez menos interessado naquela conversa, voltou a condescender.
    - Já que o homem trouxe isso, abre lá a porcaria do saco.
    E a Fernanda abriu. Uma dúzia de chifres, uns mais retorcidos, outros mais alongados, todos luzidios …
    Um curto bilhete acompanhava a oferta.
    " Meritíssimo,
    Muito lhe agradeço que me tenha ajudado a ver-me livre da cabra da Fernanda.
    É justo que lhe entregue os cornos que são produto do trabalho dela.
    Passam a ser seu património, não meu."

    E foi assim que se fez justiça…

    Carlos Viana.

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  11. Ora aqui está um final bem menos azedo :O)
    E como eu gosto: sem recorrer aos tribunais.

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  12. É um final dramático o conto do Felício, com um final JUSTO. Digo eu !!!
    O Viana alterou o conto à sua maneira, terminando de uma forma triunfal e bem moralista, quase digna se ser lida num jardim-escola. Vejo a educadora de infância - por sinal "boa como o milho" sentada no chão com muitos meninos de bibe azul e meninas de bibe cor-de-rosa - a acabar a estória desta maneira: ..."e então o Carlos livrou-se da cabra da Fernanda e devolveu o par de cornos ao malandro do Juíz". Gostei. O Felício, com os seus contos veridicos ou de ficção, cá nos vai juntando à volta da mesa. Mesmo em Agosto e com este calor. Por aqui, o Sol lá vai derretendo o alcatrão das estradas.
    Abraço

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  13. Tens sorte! Pela Ericeira, onde cheguei ontem depois de almoço depois de uns dias no calor de Málaga, tinha que se andar com casaco de malha que o frio era de inverno...

    Quanto ao caso que contei é semi-verídico. Não chegou a haver mortes, mas houve sarrabulho com troca de socos ( dizem... ).

    Se tivesse tido acesso às vossas ideias para um final menos dramático, escolheria o do Viana e promoveria, como sugere o Quito, que passasse a fazer parte do curriculum pré-escolar...

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  14. Celeste, difícil de compreender... Infelizmente, a culpa não morre solteira ou virgem...

    Bisous
    C.Falcão

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  15. Rui
    Foste para Málaga e eu estive pelo Porto. Com calor, mas nada que se compare com esta banheira. Por volta das sete das da tarde fiz-me ao caminho para mais 35O km entra a Invicta e Castelo Branco. Pelo meio, um brutal acidente com um jipão dos bombeiro da Zona de Lisboa que se partiu em dois. Estavam a içar os destroços com uma grua. Aquela pobre gente, generosa, apesar de ser a sua profissão, vinham de um incêndio em Fafe. O Destino corta a direito. Incomodou-me. Desculpem este desabafo ...

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  16. Quando se escreve ao correr da pena, por vezes nem damos conta de algumas gafes. Aquele "apesar da sua profissão", aparece aqui, como sinónimo de obrigatoriedade de acorrer a sinistros. Mas, podia ter uma leitura completamente descabida. As minhas desculpas...

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  17. Voto no final do Carlos Viana, até porque o Rui Felício ao fim e ao cabo também não gostava do final que tinha escolhido!
    Era demasiado violento!
    Aos murros e a pontapé sempre é mais suave!

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  18. Os Carlos apressaram-se a vir à liça,talvez por se tratar de um homónimo.

    O 1º Carlos até tem uma Fernanda!

    O 2º Carlos,homem inteligente e dado à boa paz,resolveu de forma engenhosa o castigo dos visados.Nada melhor que "dar uma bofetada com luva de pelica"!

    O 3º Carlos, o mais gentil,está em sintonia com a minha opinião e mandou-me "bisous"!!!
    É bom ser assim cumprimentada logo pela manhã!
    Retribuo.

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  19. O Rui Felício como "mestre encartado" nas coisas do coração, encarou o despeito do Carlos como um caso de honra que só o sangue redime.
    O Carlos Viana seguindo o princípio bem conhecido de "a vingança serve-se fria" preferiu surpreender com frieza, depositando na Fernanda o peso de toda a situação e criando no espírito do juiz a suspeição sobre o seu comportamento. É uma vingança que não mata mas destrói...
    Dois fins da mesma estória que o brilhantismo da escrita destes amigos e a imaginação fértil do Rui Felício proporcionou.

    Uma palavra de apreço ao amigo Quito que, no meio deste jogo de palavras, relatou de forma sentida o desastre que presenciou do despiste dos Bombeiros de Cabo Ruivo.
    Abílio

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  20. O Rui Felício deu este final à sua estória como poderia ter dado uma dezena de diferentes finais.
    Todos lhe conhecemos a imaginação fértil e a arte de a colocar no papel para nosso deleite.
    Como diz o Quito, "cá nos vai sentando à volta da mesa".
    Aproveitemos que o repasto é bom!

    Carlos Viana

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  21. Por falar em Injustiças.
    A sensibilidade do Quito trouxe-nos mais uma.
    Todos tivemos oportunidade de ver e ouvir nos noticiários de ontem a o acidente que envolveu os Bombeiros de Cabo Ruivo.
    O Quito viu, ao vivo, o rescaldo da tragédia.
    Os soldados da Paz, apanhados numa guerra que não era a sua.
    Então querem maior injustiça do que esta?

    Carlos Viana.

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  22. O que é que uma boa história tem a ver com juízes e ministério público?!
    O final feliz,popularuncho,seria o cornudo depois de acertar as suas contas,dar um tiro nos seus próprios cornos...
    Daria um fado à marceneiro.
    Boa história.
    Divirtam-se.

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  23. Ninguém está seguro... nem mesmo à pesca...

    http://henricartoon.blogs.sapo.pt/227486.html

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  24. Tanta criatividade!
    Também acho que o juiz era o mais danadito dos três... O patrão da justiça!!!
    A Fernanda também era danadita mas o Carlos devia andar muito distraído...

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