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quarta-feira, 4 de agosto de 2010

ENQUANTO QUITO FALA COM DEUS...

NOTA PRÉVIA: O Carlos Viana pediu ajuda porque nesta noite não consegui "meter" ...o comentario.. . achei por bem...e meti-o pela porta da frente...

Quito começa por me mostrar o seu escritório. É o seu segundo lar, diz ele.
Obriga-me a lançar o olhar da sua janela para que perceba o silêncio. Porque se aproxima o fim da manhã, porque o calor aperta, porque são horas de almoçar.
Descreve-me as madrugadas, bem diferentes, onde não há silêncios mas sim sinais de vida, de luta pela sobrevivência. Mas logo me avisa que, quando o sol declinar, os ruídos, sinais de luta, voltarão.
Convida-me a ir à Lameirinha. Entro no seu carro, contente pela aventura de conhecer o desconhecido. Contente por ter por companhia o melhor cicerone da região.
Serpenteia serra a cima. O calor aperta, dentro do seu carro quarenta e dois graus!
Penso que é para me tranquilizar que vai dizendo que são só catorze quilómetros de viagem.
Mostra-me a paisagem e são nítidos os sinais da sua desolação.
Desse lado eram pinhais, daquele eucaliptais. E, substituindo a desolação pela revolta, acrescenta que só resta a agressividade da terra queimada, A cor de tijolo tinha dominado o verde, fruto dos fogos constantes na região.
À nossa frente, levanta-se uma ventania em funil.
É um “espojinho”, explica ele, acrescentando ao meu fraco conhecimento meteorológico um novo vocábulo. É assim que o povo da Beira Baixa lhe chama, acrescenta. .
Não sabia, aprendi,
Chegados à Lameirinha, logo me apontou o facto das casas, naquele pequeno povoado, se unirem umas às outras, todas juntinhas, como se de um pequeno exército se tratasse.
É uma questão de defesa, perante a solidão, explicou.
Queríamos almoçar, claro ! O calor faz-nos sede mas não nos tira o apetite.
Entramos numa taberna que tinha uma boa sala para servir refeições.
Sr. Pereira, faça favor…
Eu aproveitei a boleia e gostei de ser assim recebido. Sr. Pereira, o Sr. e o seu amigo podem sentar-se naquela mesinha.
Lá nos sentamos, lá nos acomodamos. Só não me lembro do que comemos porque isso era o menos importante.
O Quito observava uma família de emigrantes. O casal, em voz alta, apregoa o seu franciús. Os filhos, em silêncio, demonstram querer dali sair, visitar cidades, fazer praia.. Para os jovens, Lameirinha “já era”!...
Ao lado, numa mesa comprida, uma dezena de operários. Falam alto, rivalizando com o casal “francês”. Tão depressa discutem entre si como soltam sonoras gargalhadas.
O que discutem, não sei. Do que se riem também não.
Resolvemos “arrancar”. Vamos? Perguntou-me o Quito. Lá terá de ser, respondi-lhe com pouca vontade de abandonar a ventoinha que por cima de nós se esforçava para nos refrescar.
Mas, à saída... lá estava o Adelino. Sr. Pereira… , Sr. Pereira…beba um copinho que pago eu com muito gosto. O Quito, delicadamente, recusou e explicou que tinha de conduzir e portanto não devia beber.
Era carteiro, explica-me o Quito. Perdeu uma mão numa brincadeira de foguetório, agora amanha a sua terrinha e lá vai vivendo.
Libertos da insistência do Adelino, saímos mas logo deparamos com um homem que, sentado fora do estabelecimento, faz um enorme cumprimento ao Sr. Pereira
Tinha uma disfunção motora e uma irregular movimentação da cabeça e ombros..
Quito, quem é este?. Tive que perguntar.
A explicação veio rápida. É o Carlos, uma vitima da guerra. Foi o grande amparo da mãe, hoje vive das ajudas da mãe. O seu único luxo, o seu grande prazer da vida, é o cigarrito que vai conseguindo “cravar”.
Foi aí que eu tomei uma atitude própria e autónoma. Por momentos, libertei-me do Quito, voltei atrás e ofereci o meu maço de SG, quase cheio, ao Carlos.
O regresso ao Salgueiro do Campo foi penoso. Ou porque o calor se tivesse intensificado, ou porque o Quito tivesse entrado numa de reflexão silenciosa, esquecendo a minha presença…
Mas, em boa verdade, tenho de confessar que muito contribuiu para que eu achasse a viagem extremamente demorada o facto de ter deixado o meu maço de cigarros ao Carlos
Ele, o Quito, falava com Deus.
Eu, o Chaminé, falava com o diabo.
Carlos Viana..

marcadores:Quito, Deus e Viana

11 comentários:

  1. Para o Carlos Viana, a solidariedade não é palavra vã.
    Para mais quando à solidaderiedade genérica lhe é adicionada a solidariedade entre fumadores, que eu bem conheço e entendo.

    Com a vantagem de, durante a viagem, não ter fumado. Imagino o sacrifício!

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  2. Há dias, num destes "monólogos a dois" que vou tendo com o Rui Felício, falei na nossa cumplicidade de "atirar-mos" com o Carlos Viana para a boca da fornalha. Pressentia-se, sabia-se e sabe-se, que o Viana escreve com a cadência de um violino afinado. E é no silêncio da noite, que afina e refina as suas ideias e alinha com destreza o ritmo das palavras.Para o texto que escreveu, em jeito de comentário só encontro uma palavra:delícia.Já estou como o Rui: não o faço por mera cortesia. Basta ler, para se perceber o cabimento das minhas palavras. Sentar-se ao meu lado e viajar comigo é de mestre. E a forma como "desmonta" o texto e toda a narrativa é brilhante. Vou comprar um carro de 4 portas, para substutuir o meu utilitário de 2 lugares. Para levar comigo o Viana e o Felício. Sobra um lugar, fictício para todos os outros amigos que muito estimo.Vamos todos ao arroz de maranhos. Apenas uma condição: viajar de vidros abertos.É que eu engasgo-me com o fumo. Era só que faltava andar com chaminés atrás de mim. Tenham dó !!!

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  3. Errata: atirarmos. Deve ser da brasa que está fora.Tolda-me o juízo. Num ápice fui despromovido. De Camilo desci a Carolina Salgado ...

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  4. O Chaminé não precisa do limpa-chaminés
    para limpar a "ferrugem"... a sua escita é limpa e clara... e quem escreve assim
    só pode falar com o Diabo...Cumprimento-o
    Senhor Chaminé e não pare!!!

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  5. Voltei aqui por causa da frase do Quito quando disse que eu e ele temos "monólogos a dois"...
    Não que seja mentira, que não é!
    Mas apenas porque eu acho que a expressão correcta seria "biólogos"...

    É a versatilidade da nossa língua...

    Nota: língua=linguagem
    Nada de más interpretações...

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  6. E como hoje a malta parece que foi "sardinhar" para Quiaios, enquanto eu e o Quito nos esfalfamos a trabalhar para garantir as reformas deles, venho dar fé logo à noite de mais uma jornada de comes e bebes.

    Há uns tempos só havia almoçaradas de ano a ano. Depois passaram a inventar-se efemérides para as justificar e passaram a periodicidade bimensal, depois mensal, depois semanal e agora já qualquer dia útil ou inútil serve!

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  7. Palavras sábias, as tuas Felício. Direi apenas que estes gajos têm dentes até ao estômago. Mas se fosse o Ferrão talvez dissesse algo de mais vernáculo.
    Abraço

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  8. 1. Estou triste! O Quito escreve bem, o Rui escreve bem e o Carlos escreve bem!... Tenho que chamar à atenção da minha pessoa, de outra forma que não a escrita, porque com estes ao meu lado, minguém me lê!!!
    2. O quarto lugar no carro, quero-o para mim, não escrevo mas faço os desenhos e tiro as fotografias!
    3. Ninguém fuma dentro do carro e fora, só longe de mim!!!
    4. Quem me paga a reforma é o Ferrão e não o Felício!
    5. A sardinhada, hoje em Quiaios, foi algo do outro mundo!... O Li (Chaves) recebeu-nos como só se recebem príncipes!...
    6. Foi bom estar com o Pombalinho! Um dia que jamais esqueceremos.

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  9. Eu já sabia que o lugar que sobrava no carro, não era para mim: não tenho arte de escrever, não rabisco desenhos e então na fotografia...
    Mas sei reconhecer o mérito dos ocupantes escolhidos pelo Quito e do assambarcador do lugar ficticio!

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  10. Ao Carlos Viana: ainda não perdi a esperança de ver materializado o projecto do tal romance, há anos pensado. Se bem me recordo, a ideia pretendia tratar o "fabrico", em Coimbra, dum médico, a partir dum rapaz chegado das "berças".
    Pedro Martins

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  11. O Felício, para além de saber de latim, sabe de psicologia. E, em boa verdade, sabe de muitas outras importantes coisas da vida. Até sabe o que é um biólogo!

    Quito fingiu que não percebeu que eu apenas não resisti à tentação de o acompanhar numa das suas viagens pela vida,pelo povo, pela natureza.
    Gostei muito, quero lá voltar.
    Moreirinhas e D.Rafael, querem um lugar no carro do Quito. Reivindicam aquilo que muitos outros reivindicarão.
    Quito, tens de comprar uma caminheta. Até lá, manda-os dar uma volta ao bilhar grande e vai-me dando uma boleia.
    A mim e à Olinda que é a única pessoa que reconhece que eu sou um gajo limpinho.
    E ainda me aparece o Pedro a lembrar-me pecados velhos. Que grande porra, vocês não percebem que eu sou um caso perdido?!

    Para todos, um abraço muito amigo.

    Carlos Viana.

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