do Prof Jose Marques Valente!
Prólogo
As “histórias de gente simples”, que se seguem, não são obra de um especialista em Sociologia; são casos arrancados à vida, que povoam o imaginário do autor, observador atento de uma infância feliz, vivida na aldeia beirã1 em que nasceu.
Os traços fundamentais são obra da Natureza; os condimentos das histórias, a súmula da vida rural nas décadas medianas do século vinte. A ficção é, todavia, a coluna vertebral de todo o trabalho – é possível, e até provável, que uma ou outra coincidência, com esta ou aquela pessoa, possa levar o leitor a ver factos reais, onde nada mais há que imaginação –.
Tal como Dom Quixote, que via monstros e guerreiros heróicos onde o Sancho apenas vislumbrava moinhos de vento, também nós, nos excedemos, por vezes, ao arquitectar histórias de camaradas, que o destino juntou um dia, numa companha do Alto Alentejo.
A intenção – para nós essencial – é boa; isso podemos garantir. Pretendemos mostrar aos mais novos e relembrar aos mais vividos, que foram os adultos, daquela época, que caldearam as grandes transformações da Sociedade, dando forma, e fundamento, ao tipo de vida da actual geração.
Na segunda metade do século passado o País despertou; acordou de um longo letargo em que estivera mergulhado. Foram duas Guerras Mundiais, que muito exigiram, sobretudo aos mais humildes – como sempre – e, paralelamente, cá dentro, um regime de força e vistas curtas, importante para consumo interno, mas absolutamente desajustado do que se passava lá fora, no resto do Mundo.
A Beira Baixa e todo o centro do País, vivia dos trabalhos no campo. As gentes, rijas e duras, não ficavam mal, quando se lhes pedia mais que o engenho necessário para os habituais trabalhos de lavoura. Dominavam, muito bem, as tarefas da azeitona, da ceifa, da monda, da poda, da enxertia e dos trabalhos com madeira. Aprendiam, com relativa facilidade, qualquer ofício.
Os beirões que partiram para as Áfricas, Américas e outros pontos mais longínquos da Terra conhecida, singraram na vida; quando, um dia, voltaram para a sua terra, traziam algo de seu, falavam sempre com muita saudade do que deixavam e manifestavam muita satisfação pelo dever cumprido.
Antes de passarmos à análise de cada personagem, deitemos um olhar à cultura da época e ao obscurantismo nessas terras e gentes. Poucos completavam a instrução primária e, só alguns, desses poucos, iam para os Seminários, ou para uma cidade, onde tinham familiares, para o liceu.
Um exemplo, pouco edificante, é o da aldeia onde nascemos: até ao fim dos anos cinquenta não referenciamos qualquer indivíduo formado. Os colégios particulares apareceram, na zona, nos anos quarenta e cinquenta; fez-se luz e começou a abertura ao mundo. Passou a valer mais um curso do que uma courela; as raparigas deixaram de estar votadas a simples parideiras de filhos e substitutas do homem, nas lides agrárias, quando este se fazia à vida, fora da terra.
Nas décadas de setenta e oitenta a sociedade foi abalada por grandes transformações; a “inteligência” que se vinha acumulando e a força capitalizada na mudança de regime político, deram ao povo a dimensão mais correcta das coisas humanas. De repente, toda a vida mudou e até as ceifas, que inspiraram estas histórias, deixaram de exigir o esforço, sobre-humano, que, ao homem, era exigido.
Olhar para os tempos da nossa meninice, abstrair do stress – neologismo usado para definir muitas coisas que naqueles tempos não existiam – e recordar o que nos parece cada vez mais distante, é, tão só, o nosso objectivo.
as “histórias de gente simples” que se seguem, sejam úteis a quem as ler e valham mais que os calmantes, ou outros tratamentos, que o “marketing” impôs às sociedades hodiernas, são o nosso único e sincero desejo.
Humildemente, mas com toda a força e sensibilidade – como diria o melhor dos beirões – deixamos esta pequena obra como uma sentida homenagem àquele que um dia, afirmou, perante os “velhos do Restelo”, lá da pequena aldeia, que a única coisa que queria da vida era que os seus netos viessem a ser muito mais que ele era.
1 A aldeia da Serra, no concelho de Mação, situa-se no limite das terras de Sardoal, freguesia de Alcaravela. Chegou a ter 500 habitantes, em mais de cem fogos. Enquadra-se no limite norte do Distrito de Santarém e pertencia à antiga Província da Beira Baixa. Ali começa a Zona do Pinhal e os costumes e usos são uma amálgama de Ribatejo, Beira Baixa e Alentejo. Recentemente tem-se desenvolvido graças às residências de segunda habitação, de famílias de aposentados, da Terra e de fora.
José Marques Valente
Estudante, Professor, Formador, Comercial e Marketing, Auto-didacta,Contador de Histórias
Enviada por José Leitão
segunda-feira, 28 de junho de 2010
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História e histórias contadas com muito
ResponderExcluirrealismo e sensibilidade que nos levam a não
esquecer o passado para melhor construir o
presente e futuro...tal como o autor também
refere.